Árvores da Palavra: Apropriações, sociabilidades e memórias entre a África e Brasil

por Joana D’Arc Lima

Sob esta árvore tudo se fala
(Evaristo de Miranda)

A Árvore da Palavra, título com o qual batizamos esse nosso projeto, que ora apresentamos os resultados que a pesquisa nos deu, teve inspiração nas africanas árvores da palavra, que não falavam, apenas escutavam. Foram feitas para ouvir todo o vilarejo que constituem as mais profundas regiões do Sahel, sul do Niger, segundo nos narra em seu livro de viagem o pesquisador Evaristo Miranda (2005). Essas árvores marcam modos de sociabilidades diversos e diferenciados de muitas etnias, nações e impérios no vasto e plural continente africano. A relação que os diversos povos africanos estabelecem com a natureza é de outra ordem: do sagrado, do espiritual, da subsistência, da devoção, do cuidado e do respeito, jamais da destruição, essa uma prática eurocêntrica e colonizadora. De tanto ver e ouvir, as árvores da palavra têm, com o passar dos anos, uma memória prodigiosa. Carregam essa força humana e as histórias da ancestralidade africana.

As narrativas de memória de Evaristo Miranda nos é contado que na África, fala-se que todo o vilarejo possui uma árvore da palavra ou dos conselhos. Nesses espaços pessoas se sentam para discutir, tomar decisões, contar histórias, buscar conselho, falar mal dos outros, tramar, enganar, vadiar e praticar outras e tantas humanidades. Há muitos tipos de árvores que crescem e assumem essa missão: as kuryias – semelhantes às nossas paineiras, da mesma família – seu fuste é bem reto, como uma coluna, pairam seus ramos e folhagens no centro dos vilarejos. São verdes e amplos guarda sóis celestes. 

Outro exemplo bastante comum pelos campos são as Acácias de porte médio conhecida como gao. Por último citemos o Baobá, democrática e avantajada, destinada a pequenas reuniões. Junto ao tronco dessas árvores das palavras ocorrem as grandes discussões, decisões, assembleias e anúncios em muitas das aldeias. Até de cemitério o Baobá serve. Segundo as histórias que nos chegam pela tradição oral algumas etnias sedentárias africanas, ao sul do Saara, costumavam dar destino especial aos cadáveres de seus historiadores, cantadores e contadores de causos, os Griots, uma espécie de menestréis negros. Quando morriam, destinados a ecoar pelo mundo, os griots, esses mestres da arte do falar, eram colocados nos ocos existentes nos troncos dos baobás. Depois, a fenda ou o nicho escavado para o griot era vedado com uma espessa camada de barro e areia. A alma do griot, enxerto humano no vegetal, seguia falando no vento e no coração de homens sonhadores enquanto o baobá vivesse. (Miranda, 2015).

Outra referência que somou-se ao desejo de realizar essa pesquisa, foi o acesso que tivemos à alguns registros visuais da fotógrafa Roberta Guimarães, realizados na Zona da Mata Sul de Pernambuco em diversas épocas, anterior a essa pesquisa. Nesses registros fotográficos notamos a presença de frondosas árvores e atentamos para as ocupações que grupos sociais faziam delas: ocupação dos seus espaços e dos seus entornos, com diversos fazeres e modos de ocupação. Nesse sentido fomos, eu e a fotógrafa, levadas a refletir sobre temáticas em relação aos conceitos de tradição, herança, hábitos e modos de ocupar os espaços e espécies da natureza  na África e no Brasil, no âmbito das relações de trocas estabelecidas entre o continente africano e o brasileiro e como talvez essas apropriações fossem então ressonâncias dos movimentos diaspóricos ocorridos do processo de colonização até os dias atuais. A ressonância permite pensar em um eco sonoro, também pode-se construir uma imagem que se forma na superfície de um rio, quando jogamos uma pedra sobre suas águas e sob o impacto, muitas ondas se formam a partir dessa ação, produzindo deslocamentos nessa aparente quietude. Com efeito, essa imagem deve ser lida como metáfora das práticas de ocupações em árvores, por grupos, pessoas e comunidades sociais no território pernambucano, como esse eco que marca a presença das culturas e dos modos de viver da africana no Brasil, que chamamos de afro-brasileira. 

Diante do tema A Árvore da Palavra, que envolve a paisagem, a ecologia, o relato, e a relação poética e de afeto das pessoas com as árvores que frequentam, é imperativo citar a importância delas e suas folhas nos usos na cultura e na mitologia Iorubá. Para os Jejê Nagós os vegetais possuem uma importância que ultrapassa o nosso uso e conceito ocidental, pois, esses aprofundam em seus segredos e estabelecem conhecimento litúrgico e terapêutico das plantas, folhas e árvores presentes em seus territórios. 

Neste contexto o conhecimento litúrgico e terapêutico das plantas faz parte do culto de Osànyín, o patrono dos vegetais, e está inserido na tradição oracular do sistema divinatório de Ifà. Um dos mitos de Ifá relata o mito de Òrúnmílá, o orixá patrono desse oráculo ao Orum, para pedir ao Deus Supremo que lhe desse a conhecer as folhas e sua utilidade. Osànyín também teve a mesma atitude, pois sabia como utilizar os vegetais, mas desconhecia seus nomes. Então, Òrúnmílá, que recebeu os ensinamentos das mãos de Olorum, nomeou todas as plantas para Osànyín, e os dois cultos ficaram interligados. (Barros, 2017).

Com efeito o uso litúrgico e terapêutico dos vegetais nas casas de candomblé Jejê Nagó (Barros, 2007), ultrapassa a visão eurocêntrica marcada por um ceticismo e pela racionalidade científica. Com a presença marcante dos povos africanos nas Américas, particularmente no Brasil, esses conhecimentos, assim como vários vegetais foram trazidos para os usos litúrgicos. Parte desse grande intercâmbio que se constitui com a presença da África no Brasil e do Brasil na África, pois muitas espécies, daqui, foram levadas e adaptadas lá, com destaque para as regiões da atual Nigéria, marca até hoje ritos, rituais e modos de usar a natureza. (Barros, 2017). Nos candomblés brasileiros, em todos os momentos temos a presença de vegetais, como elementos indispensáveis ao culto, seja em banhos purificatórios, em sacrifícios aos orixás e em iniciações: “daí a expressão comum nos terreiros, Kosi Ewé kosi Òrisà, sem folhas não há orixá”.

Já acenado em muitas das literaturas e estudos sobre a temática, em Pernambuco há estreitas relações com as culturas, modos de fazer e maneiras de produzir e usos oriundas das culturas de matriz africana, assim sendo  apostamos que essa forma de ocupação das árvores, percebidas por registros fotográficos, poderia ser também uma marca das relações culturais, chamadas por afro-brasileira. Essas experiências, histórias e crenças remontam as mais remotas práticas ancestrais da cultura africana, que nos chegam por meio das histórias que são passadas de geração a geração e nos chegam como práticas do encantamento. Vivências que são praticadas aqui, cuja matriz das culturas africanas as sustentam e as tornam presentes.

Assim, tomamos a viagem como método, como vocação e como descoberta e reconhecimento – viagens que potencializam o deslocamento no espaço e viagens interiores (modificadoras do self) -, como atribuiu de polissemia de sentidos a pesquisadora Fernanda Âreas Peixoto (2015). Assumimos assim sob a denominação mais geral de viajantes, diferentes perspectivas, quer sejam as da intelectual, da pesquisadora, da turista ou da exploradora.  Com efeito nos lançamos em viagem e tomamos como rotas três regiões do Estado de Pernambuco: Recife e Zona da Mata, Agreste e Sertão. 

Em muitas das miradas e visitas às regiões de Pernambuco notamos agrupamentos, reuniões de pessoas, geralmente no começo da manhã ou no final da tarde, embaixo de árvores nas cidades que integram essas regiões. Uma espécie de encontro marcado, uma reunião de pessoas que habitam esses vilarejos e por hábito encontram-se cotidianamente nesse espaço, eleitos, por seus pais e seus antepassados. Uma prática de sociabilidade que ocorre embaixo da árvore. Temos no sertão árvores que são emblemáticas para o uso dessas trocas sociais, o Joazeiro, que mantém suas folhas verdes mesmo no período de seca, e o umbuzeiro que é considerada, por Euclides da Cunha, a árvore sagrada do sertão: Se ele não existisse o sertão seria despovoado. Ele alimenta por seu fruto e estanca a sede. Quando há seca, o sertanejo extrai as raízes infladas do umbuzeiro que mata a sede de uma criança. Outras árvores que servem de espaço de socialização são o Baobá, o Angico, a Jurema, a Gameleira, a Tamarineira, a Amburana, entre outras. 

De um olhar que reconhece essas vivências, passamos a escutar as histórias dessas e desses ocupantes que elegem arvores como arvores da palavra. Sabíamos que certas árvores, algumas seculares, presenciaram conversas sobre mitos, fábulas, estórias de assombrações, de almas penadas, sobre botijas enterradas, foram testemunhas de muitas histórias e guardam como memórias essas falas. Mas, ao nos disponibilizarmos para escutar histórias das arvores, outros diálogos foram narrados, sobre o amor, paternidade, brincadeiras, segredos, sobre mitos, sobre o cotidiano, sobre vidas. Fomos em busca de contadoras e contadores de histórias. Buscamos criar espaços de conversas, reunir pessoas, deslocar cotidianos. Em cada cidade que finamos nosso efêmero porto seguro, buscamos encontrar narradoras e narradores. Quem quer contar uma história? Quem conta história? Quem presenciou o plantio de uma árvore? Quem quer escutar uma história narrada?

Grosso modo, há uma opinião que diz: com a democratização das redes sociais digitais, das excessivas redes (mundo) da informação midiática a conversa cessou de acontecer. Os encontros físicos diminuíram e nos empobrecemos das narrativas. Quem conta as histórias e notícias pela oralidade? Quem tem tempo de ouvir os contadores de histórias? Esse paradigma da modernidade contemporânea que nos atravessa está posto. Não obstante ao ser ativado para olhar com lentes dirigidas e instrumentos de leitura que passam pelos referenciais da cultura africana e das culturas afro-brasileira ou afro pernambucana, conseguimos identificar nesses encontros embaixo de árvores relações e conexões com essa presença da narradora e do narrador, da contadora e do contador de histórias que recoloca as experiências ancestrais de matriz africana e que atesta que mesmo com esses “mundos digitais” que insistem em invadir nossas vidas, há sim maneiras e práticas de narrar, de encontrar, de viver, entendidas como passadas, que permanecem na contemporaneidade. Esse passado, específico, que entendemos como resistência no tempo presente, nos ajuda a enfrentar as modas e as tendências efêmeras da sociedade atual.

As narrativas de memórias contadas acerca das relações das narradoras e narradores e as “suas” respectivas árvores nas, três regiões do estado de Pernambuco, foram gravadas em áudio e vídeo[1]. A cada história narrada muitos saberes, experiências e tios de ocupações foram trazidos pelas memórias dos respectivos narradores e narradoras. Vistamos poetizas e cantadores em Afogados da Ingazeira e arredores, cidades sertanejas escolhidas pela forma da presença de poetas e arvores plantadas na cidade. Visitamos territórios quilombolas no Agreste, Zona da Mata e Sertão, buscando entender se nesses espaços como era as relações de ocupação e a presença de árvores e se havia uma a relação com a natureza mais estreita. Também ouvimos uma contadora de história e uma professora da área rural (Sertão), que potencializam respectivamente, experiências pedagógicas e Contação de Histórias, embaixo do Joazeiro. A contadora de história narrou suas memórias de infância sobre aprendizados que lhe foram transmitidos por seu avô sobre botijas de ouros enterradas.

Experimentações com a fotografia: Entre palavras e imagens

As árvores são fáceis de achar, ficam plantadas no chão.
(Arnaldo Antunes e Jorge Bem Jor)

O olhar vagou por muitas paisagens híbridas. O ponto de partida foi a cidade do Recife.  De lá deslocou-se para muitos espaços, lugares, cidades e regiões do estado de Pernambuco. O olhar da fotógrafa caminhava lépido por entre ruas, praças, automóveis, pessoas e vilarejos. Havia uma busca em reconhecer nessas plurais paisagens, atravessadas de tantas culturas e dinâmicas, entrelaçadas de modos de ser do rural e do urbano, árvores e suas inúmeras ocupações e sociabilidades, usos diferenciados e apropriações plurais. Um olhar que tendia, ora para um registro documental, por meio do ato fotográfico e pelo método cartográfico, e, ora para uma experimentação que variava entre o exercício técnico da múltipla-exposição, da criação de situações estéticas que envolviam a entrada de personagens na cena capturada pela mesma técnica.

O exercício experimental supracitado ocorreu durante as viagens realizadas por três regiões do estado de Pernambuco: Recife e Zona da Mata, Agreste e Sertão. A fotógrafa fez algumas incursões para mapear os espaços, cidades escolhidas e descobrir nesse itinerário as árvores, as ocupações, personagens e histórias. Com extremo respeito, enorme envolvimento e muito afeto essas três configurações (árvores, ocupações e personagens) foram sendo tocadas pela lente da fotógrafa, e, consequentemente se reconfigurando em mapas afetivos dentro de suas complexidades e singularidades. Muitas histórias vieram à tona por meio de narrativas orais de memórias, quando essas personagens foram, aos poucos, chamadas a falar sobre as árvores que compunham suas histórias, suas vidas, seus entornos e contornos. Uma certa fantasmagoria se instaurava na imagem, por meio dessas camadas narrativas de memória e objetivamente pelo uso da técnica da múltipla-exposição. Os tempos e acontecimentos se multiplicavam e se justapunham nas narrativas orais, com efeito as imagens produzidas pela fotógrafa carregam essas camadas de temporalidade. 

A escolha pelo uso da múltipla-exposição, segundo a fotógrafa, se deu por vários motivos: primeiro porque o resultado final – como realizada na própria câmara[2] – é sempre inusitado, inesperado, sempre guarda uma surpresa. Por exemplo, algumas das fotografias foram feitas em movimento, então a velocidade somava-se ao processo de captura da imagem. Depois, em outros registros, o fazer da múltipla-exposição se deu com base em uma elaboração prévia, pensada e programada, não obstante, os resultados sempre são imprevisíveis. Em outros casos, a artista tomava a questão temática do tempo, tradição, permanências e ancestralidade repertório e lançava mão da técnica da múltipla-exposição para enfatizar e chamar a atenção para tais questões, que são extremamente caras para a cultura Iorubá. Essa dimensão pode ser observada no registro das imagens do Iroco[3], que é considerado o orixá do tempo, nesse caso, representado pela Gameleira. Roberta Guimarães, ao trazer a presença do corpo negro para a cena fotografada, a ideia era que esse corpo negro passasse, se movimentasse para representar o tempo. O desejo era poder trazer o conceito do tempo, como se fosse o próprio tempo em sua passagem. 

A técnica da múltipla-exposição produz uma repetição do mesmo referente e por meio desse ato, as árvores, os corpos se multiplicam e se desdobram, em sua imensa grandeza, dessa maneira acenam para que notemos sua existência larga, sua ressonância no espaço e no tempo. Nosso olhar se desloca entre o ente fotografado e seu prolongamento: metáfora que alude à dimensão de permanência e mudança, repetição e diferença na longa duração da história.  

Outras maneiras de interferência na imagem fotográfica foi a sobreposição de objetos sígnicos usados na cultura iorubá, em rituais do xangó. Essas incorporações foram feitas para chamar a atenção para as narrativas orais que contam sobre antigas e sagradas árvores, como o Iroco, fotografado no terreiro mais antigo do Recife, do Pai Adão, que acolheram, no seu interior, objetos e estatuetas referentes aos rituais religiosos, à época proibidos no Brasil, durante o governo de Getúlio Vargas (entre os anos 1930). Assim, a fotógrafa simbolicamente recoloca alguns desses signos no território do sagrado, para nos lembrar esse passado que parece não querer passar, sobre a história de repressão aos cultos, à mitologia e aos saberes ioruba, na cidade do Recife e no Brasil. Ao mesmo tempo que levanta a questão sobre a sacralidade e importância das árvores na cultura africana e afro-brasileira. 

Nesse percurso de experimentação com a Árvore da Palavra, Roberta Guimarães lança mão do bordado sobre a impressão fotográfica, realizada em tecido. De certa maneira esse gesto de tecer sobre a imagem é inédito em sua obra. Desconfio que a força aqui da narrativa oral encorajou a artista visual a tecer sobre sua fotografia: um gesto de escrita. Nesse sentido e por meio desse gesto, tão antigo e tão tradicional entre nós, Roberta interfere na imagem, por vezes para revelar o que está contido ou escondido, invisibilizada, não dito, ou ainda o que está explícito, o que clama por socorro, o grito por salvaguarda, o que está desaparecendo e sendo esquecido. Especificamente os bordados entraram como marca para denunciar o sangue derramado das populações africanas, então em condição de escravizados, como mão de obra nos canaviais em Pernambuco. Um gesto para chamar atenção para essa monocultura perversa que resiste ainda hoje no estado. Também, na imagem dos dois Umbuzeiros, que se aproximam, de maneira metafórica às estatuetas dos Ibeji [4], essa relação remete aos laços entre a África no Brasil e a inserção da figura da Onça guarda relação com a histórias míticas que foram contadas pelas poetizas em Afogados da Ingazeira. Roberta Guimarães encontrou no bordado, no tecer, uma outra maneira de dizer e fortalecer o que a imagem contém e esconde.

Nesse caminho que percorre, do deslocamento entre a fotografia documental e as experimentações com o bordado, Roberta Guimaraes, envereda pela escrita verbal sobre a imagem, cito, o trabalho que compõe esse ensaio que a fotógrafa se apropria da imagem do Baobá, árvore sagrada, e, sobre ela escreve nomes de personalidades que lutaram e lutam em defesa da natureza, dos povos indígenas, da Amazônia, da reforma agrária, da luta pela sobrevivência da natureza, entre outras lutas benditas – e, os registros poéticos com o uso da múltipla-exposição, ora com personagens, dirigidos por ela, ora somente a paisagem natural, a artista vem somar-se ao conjunto de demais experimentações com a imagem no campo das artes visuais. Nos últimos anos, suas investigações têm se dirigido para as culturas dos brincantes e as brincadeiras e mais recentemente seu foco de investigação tem recaído para as culturas afro-brasileira em Pernambuco[5], como desdobramento da pesquisa fotográfica, Roberta tem produzido filmes curtas metragens documentais e extremamente didáticos como maneira de amplificar as questões temáticas da investigação. Esses registros em vídeos, a meu ver, parecem ter aberto a possibilidade para a “fotógrafa documental” adentrar com mais liberdade no campo experimental da imagem e com efeito construir esse ensaio fotográfico intitulado A Árvore da Palavra, se valendo das interferências e inscrições que dotam o conjunto dessa obra visual de referências narrativas. Nada disso é novo em nosso meio das artes visuais, não obstante, há uma novidade que lateja na obra dessa artista: uma ousadia em juntar na sua fotografia outros materiais, outras maneiras de escrever e inscrever imagens e textos à fotografia, território que ela habita há anos.


[1] As entrevistas realizadas foram feitas por meio de um roteiro temático aberto. A prezada a história de vida para desencadear as conversas. Em meio às narrativas a entrevistadora solicitava que a entrevistado e o entrevistado contasse o que lembrava e quais as memórias que tinha em relação à alguma arvore em questão, ao território que habita. As entrevistas foram marcadas com antecedência. A todxs foi explicado em breve resumo sobre o projeto e a finalidade do depoimento. Alguns dos depoimentos foram dirigidos, em especial, a entrevista com as poetizas de Afogados da Ingazeira, que a organizaram um Glosa. 

[2] A fotógrafa realiza esse processo técnico de múltipla-exposição por meio da manipulação direto na câmara fotográfica sem o uso dos recursos digitais.

[3] Segundo consta nas pesquisas de Cléo Martins e Roberval Marinho (2010), o Iroco é a “grande árvore encantada, pai e mãe de tudo que existe no mundo do sagrado: temida, amada e respeitada por aqueles que a conhecem de perto, é a morada de orixás (dos iorubás), voduns (ou fon ou jejes), inquices (dos bantos) e de todos os tipos de espíritos, feiticeiros e bruxas” (p. 33). Árvore sagrada. O verdadeiro Iroco é uma árvore enorme que somente existe na África e é classificada cientificamente como Clorophora excelsa. Iroco, no Brasil, “escolheu outras moradas sagradas: no Brasil reside normalmente em um tipo de gameleira, a Ficus religiosa,  que pode viver mais de dois; essa árvore na Bahia, abriga o orixá e nele se transforma. , sendo absolutamente necessária para o culto das divindades afro-brasileiras.”(p.34). Existe um Iroco no Sítio do Pai Adão, na cidade do Recife – terreiro de origem iorubá, fundado pelos mesmos bomboxês descendentes de Oió, na Nigéria, vindos da África e estabelecidos em salvador, na Bahia. O Sítio, hoje sob direção do babalorixá Manoel do nascimento Costa, filho de Iemanjá e neto consanguíneo de Pai Adão.” ( p. 37).

[4] “Os iorubá vivem principalmente na Nigéria, mas também no Benim e no Togo. Esse povo possui uma das mais altas incidências de nascimento de gêmeos do mundo (nasce um par de gêmeos a cada 11 crianças), um fenômeno atribuído a fatores genéticos. Entre eles, os gêmeos são tidos como seres extraordinários, protegidos por Xangô, divindade dos raios e trovões, conhecido no Brasil também como o orixá da justiça. Em algumas regiões da Nigéria e Benim, os iorubá acreditam que os gêmeos são responsáveis por trazer riqueza às suas famílias, desde que sejam homenageados. Por outro lado, esses mesmos gêmeos podem levar os seus familiares à pobreza quando ofendidos ou negligenciados. Por isso, é bastante comum que os pais de gêmeos dediquem aos irmãos bastante atenção e, constantemente, ofereçam a eles presentes, músicas, danças e alimentos especiais. Os gêmeos, por se sentirem muito ligados, pressentem o sofrimento ou alegria um do outro, mesmo que distantes fisicamente. Por isso, acredita-se que possuem a mesma alma. Quando um dos gêmeos morre, ele é honrado com a produção de uma escultura humana em madeira conhecida como Ibeji. Se os dois morrem, ambos são honrados com um par de esculturas. Consequentemente, essas esculturas podem ser concebidas como esculturas únicas ou em pares, conforme a circunstância que levou à sua criação. É o escultor quem determina as características formais da obra a partir das tradições artísticas dos iorubá. No caso específico dos ibeji a sua estatueta quase sempre apresenta braços paralelos ao corpo cujas mãos podem ou não ser arqueadas. Outro aspecto estilístico recorrente é a figuração dos olhos com pupilas vazadas. Depois de pronta, a estatueta receberá os cuidados da mãe ou do irmão que está vivo, que envolvem dar banho, enfeitá-la, bem como oferecer alimentos, mantendo viva a memória do falecido entre seus familiares”. (Bevilacqua e Silva, 2015, p. 12).

[5] A fotógrafa Roberta Guimarães, pernambucana e residente na cidade do Recife, inicia sua trajetória em meados dos anos 1980, como repórter fotográfica e depois, com o grupo de fotógrafos Breno Laprovitera, Jarbas,  que nos anos 1990 se intitulará como Imago, onde trabalhou organicamente durante anos, e nesse ambiente criativo inicia várias das pesquisas que resultaram em ensaios fotográficos ligados aos brincantes da cultura pernambucana há aproximadamente 20 anos vem dedicando sua trajetória profissional as pesquisas sobre a cultura pernambucana e mais recentemente seu foco de investigação tem recaído para as culturais afro pernambucana. Além de um livro publicado em 2013 sobre o Xangô Pernambucano, intitulado O Sagrado a Pessoa e o Orixá, teve na sua última exposição o mesmo tema. Intitulada por AGÖ, também título do catálogo referente à mostra, com curadoria do antropólogo Raul Lody exibida em 2016 no centro Cultural em João pessoas/PB e em 2019 no Museu do estado de Pernambuco. Entre outros trabalhos de Roberta, estão os livros “É do coco é do coqueiro”, “Eu vi o mundo e ele começava no Recife” e “Olaria Ocre”, em parceria com os artistas Dantas Suassuna e Joelson Gomes.